quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Políticas sociais na América Latina e as relações entre as esferas pública, privada e confessional - 19/06/2013

EMENTA:
O atual contexto dos Estados e das políticas sociais na América
Latina, do ponto de vista republicano. O funcionamento das  Políticas Sociais
no atendimento às sociedades latino-americanas, por meio dos mecanismos de distribuição de renda, da recolonização cultural pelo consumo e da falsa ampliação
das classes médias.



1) Marco Túlio Cícero, o mais importante orador e publicista romano, que viveu entre 106 e 43 a. C., em seu livro A República, escreveu:

“Que pode haver de melhor quando a virtude governa a república? Quanto o que manda nos demais não é escravo de sua ambição?”

A república é uma forma de governo sujeita ao interesse comum e à sociedade, que Sócrates descrevia como modelo ideal de organização política.

O termo república apareceu em Roma no século VI a. C., atravessou a Idade Média em alguns regimes aristocráticos como em Veneza e ganhou destaque no séc. XVIII, nos Estados Unidos e na França.
Os países da América Central e do Sul foram colonizados por Metrópoles (Portugal e Espanha) em forte decadência na época e o próprio Continente abaixo do Rio Grande passou a compor-se de países da América Latina, denominação esta de autoria do Império francês de Napoleão III, no século XIX.
As repúblicas latino-americanas nasceram de mãos da oligarquia proprietária, unidos às vezes a idealistas liberais nem sempre providos de um futuro desinteressado.


2) A república não implica necessariamente em democracia, assim como a democracia não pressupõe a república.

As repúblicas da América Latina foram adotando formalmente, desde os meados da década de 1980, o regime liberal democrático, uma invenção posterior à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), que em certo sentido decorria de necessidade de ampliar a participação pelo voto nas eleições.
Nos anos seguintes, no correr das décadas de 1990, 2000 e 2010, convencionou-se chamar de democratização dos estados latino-americanos e particularmente os interessados nessas democracias desfiaram apologias das vantagens conquistadas. De fato, em determinados setores, os movimentos sociais lograram benefícios parciais e meramente formais (no campo jurídico-político), por consistirem em direitos por vezes inaplicáveis. Porém esses estados latino-americanos não só viveram as agruras das ditaduras anticomunistas, nos campos dos direitos individuais e sociais, da política e da economia, como ainda preservaram até hoje valores, organizações, burocracias, defensores e agentes da  ditadura.
As tidas como “repúblicas democráticas” na América Central e do Sul muitas vezes se mantêm graças à política norte-americana, cujos interesses internacionais não antevêem mudanças.


3) Não existe governo democrático sem sociedade democrática.


A democracia liberal, gestada no interior do capitalismo monopolista, em fase acelerada de acumulação em escala mundial, apresenta um dos tipos de democracia em que a desigualdade social, a dominação de uma classe social sobre outra pode ser reconhecida, desde que esteja garantida a igualdade de cidadania, ou seja: desde que esteja garantida a igualdade jurídica. Assim, a cidadania se revela indispensável à permanência e ao domínio da desigualdade social com quem ela não entra em conflito. 
Na democracia liberal, os governantes estão sujeitos à fiscalização dos governados, que  devem ter a posse de meios de controle sobre eles. O aparente equilíbrio de forças no plano jurídico-político entre governantes e governados não se mostra no plano econômico. E as políticas sociais em qualquer campo não têm a função, nem podem estabelecer a igualdade na economia de mercado.

4) A política econômica e a política social consistem em irmãs gêmeas, formam uma totalidade, e estão conectadas à acumulação do capital


A política social aparece no capitalismo com as mobilizações operárias ocorridas durante as primeiras revoluções industriais no século XIX e tiveram muitas vítimas. A política social entendida como estratégia governamental de intervenção nas relações sociais, só pôde concretizar-se com os movimentos populares do século XIX em diante.

Portanto, política econômica, política social, política educacional, política habitacional, política de saúde, política previdenciária, política de assistência social, política salarial, política fiscal etc., referem-se à estratégia de governo que comumente se compõe de planos, de projetos, de programas e de documentos variados. A palavra "política" como estratégia governamental, nestes casos, não se confundem com a palavra "política", que significa antes de tudo "poder".

5) Não é possível ser contra dar recursos para os mais pobres. No entanto na prática essa política social mercantiliza benefícios sociais, capitalizando o setor privado, deteriorando e desfinanciando as instituições públicas.

As políticas sociais no atual contexto dos Estados de cunho liberal democrático da América Latina expressam sociedades muito pouco democráticas, um risco bastante grande, pois o que garante os estados de direito são as sociedades democráticas. Tais sociedades sofreram transformações econômicas nos últimos vinte anos ou pouco mais, nas quais a política social se destinava a atender indigentes, de maneira focalizada, dispersa e seletiva, por intermédio do denominado "terceiro setor", com ONGs (organizações não governamentais), Institutos, Fundações, OSCIPs (organizações da sociedade civil de interesse público), utilizando-se a extemporânea "administração por objetivos". Celebraram-se então as palavras "excluído", "incluído", e o regresso da legislação social à legislação civil da "prestação de serviço", muito utilizada na primeira metade do século XX, afastando-se dos preceitos do Direito do Trabalho.

6) O "mundo globalizado" surgiu como o "grande mundo como nunca existiu", o "grande mundo sem fronteiras e limites", o "grande mundo das maravilhas do dinheiro e do êxito", o "grande mundo das megafusões de empresas, banco" e que tais, ocultando a imoralidade, a corrupção, o enriquecimento ilícito e momentâneo, as fraudes nacionais e internacionais, e outros, próprios do capital bandido.

No âmbito da política social, os países da América Latina padeceram a privatização, a parceria do público com o privado, descentralização, renda mínima (ou renda básica, renda de existência, renda social), segundo cheque, auxílio-gás, bolsa-escola, bolsa-alimentação, bolsa-família, programa de erradicação do trabalho infantil e programa gente jovem, tudo a pretexto de combater a desigualdade. O exemplo mais completo dessa política social está no fato de que ONGs, OSCIPs e essemelhados em muitas ocasiões dão ares de bolsa-família de classe média, auxiliando essas famílias e ajudando-as a progredir.

7) Os mecanismos de distribuição de renda na América Latina não se diferenciaram significativamente nas soluções, embora possam ter distinções de ênfase e de amplitude.

 Os planos de combate à miséria e à pobreza foram implantados há mais de dez anos na maioria dos países latino-americanos. 
São os casos, por exemplo, da Argentina e do Brasil.
Na Argentina, o plano do presidente Kirchner e de sua mulher Cristina, par dar combate à pobreza, salvou do desespero inúmeras famílias reduzidas à miséria, ao abandono e ao desemprego, causados pelas medidas econômicas do seu antecessor, Carlos Menem, as quais costumo caracterizar de "neoliberalismo tardio". O mesmo aconteceu e tem acontecido nos períodos governamentais de Luís Inácio Lula da Silva e em outros países, Venezuela, Bolívia, Equador, etc., o sucesso político alargou o prestígio dos governantes.
Programas como o Bolsa Família expõem 2 êxitos: a ampliação dos benefícios de transferência de renda à maioria das famílias mais necessitadas, e a melhoria dos indicadores sociais. Por outro lado, tais famílias necessitadas continuam dependentes do Programa Bolsa Família devido a falta de empregos e de qualificação profissional, expulsos, portanto, do mercado de trabalho.
Jean Ziegler, em seu livro Destruição em massa - geopolítica da fome, aludindo ao Brasil, afirma:


"O problema da fome no Brasil não acabou. O caminho precisa mudar radicalmente. A prioridade deve ser outra, depois de anos de Bolsa Família. Por favor, não estou dizendo que o Bolsa Família não é positivo. (...) A Bolsa Família é como a ajuda humanitária da ONU."

Ziegler diz que a solução se acha na agricultura de subsistência, nos pequenos agricultores, e que um país grande potência econômica e política ainda possui 18% de sua população com algum risco de falta de alimento. Acrescenta também que nos últimos dez anos, a reforma agrária foi colocada no congelador.

8) Ao medir as condições de vida no mundo conforme a saúde, a educação e a renda das populações de 187 países, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) manteve o Brasil em 85º lugar, em 2011. Entre os primeiros 47 países do IDH, a América Latina está representada pelo Chile em 40º lugar e pela Argentina em 45º lugar.

Inúmeras das questões postas pelos países latino-americanos extrapolam as políticas econômicas e sociais. Integram melhor as políticas culturais. Em muitos desses países, como o Brasil, fazem do atraso uma visão de mundo e fazem parte de nossa maneira de ser: o individualismo de um contra o outro; a sujeira das cidades e estradas; urina nas ruas, fezes em qualquer lugar; barulho dia e noite; mata-se e morre-se no trânsito e na calçada; rejeita-se a educação alheia e não a nossa; falsificação de carteiras, atestados e diplomas; fura-se fila, e principalmente o etc...

9) Até cego vê que é falsa a ampliação das classes médias pelo aumento do poder aquisitivo da população. A falsa ampliação das classes médias anda de mãos dadas com a recolonização cultural pelo consumo de produtos.

Desde o governo Lula sucedeu a reativação do mercado de trabalho formal, do aumento dos negócios e do trabalho autônomo bem remunerado. Não se nota, de 2002 para cá, maior mobilidade social na alta nem nas outras classes médias.
Não se está a caminho de um país de classe média. A classe C, tão propalada por todos os desejosos de demonstrar crescimento, não evidenciam os padrões e estilos de vida que são característicos da classe média, tão bem examinada por C. Wright Mills nos Estados Unidos do século XX.
Assiste-se a uma camada social de novos compradores, tão compradores que são os responsáveis pelo crescimento do mercado interno no Brasil, ambicionado pelas corporações internacionais. Tida como classe C, a nova classe média não mostra qualquer consciência crítica à recolonização cultural, pelos livros de fácil vendagem, sobre os temas preferidos como o sexo ou a auto ajuda. A classe C não mostra qualquer consciência crítica em adquirir produtos de consumo imediato, mediato ou futuro, não se importando com os débitos e com os anos a mais de trabalho para saldá-los.
Resta então a alienação pura e simples de um mundo de mercadorias em que só elas valem e não os homens. Marx apontou a "sensualidade da mercadoria", aquela sensação do objeto na vitrine, sentida pelo comprador, que parece nos olhar com amor e carinho dizendo: "vem, vem...", pedindo para levá-lo para casa.
Resta também dizer que, ao lado disto, só se encontra escrito "apartir", uma demonstração de que o brasileiro confunde o português "a partir" com o verbo de outra língua, uma clara expressão dos nossos tempos de felicidade. 





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