sábado, 24 de abril de 2021

KARL MARX: ANÁLISE DA BUROCRACIA - Tradução: Evaldo A Vieira, 2021.

Karl Marx,  ANALYSE DE LA BUREAUCRATIE, Choix de Norbert Guterman et Henri Lefebvre, Oeuvres choisies, Tome I, France: Gallimard, 1963, in Critique de la philosophie politique de Hegel (1842).
Tradução do francês por Evaldo Amaro Vieira.


ANÁLISE DA BUROCRACIA


A existência da burocracia pressupõe a autonomia da sociedade civil, isto é, a existência das corporações. O que distingue a burocracia governamental de uma corporação civil é que os administradores e as autoridades são escolhidos entre os cidadãos, aprovando o poder propriamente dito essa escolha (o que Hegel chama: a aprovação superior).

Como Hegel explica, é preciso que, acima da esfera da sociedade civil, haja delegados do poder governamental, agentes de fiscalização e um conselho superior centrado em torno do monarca. Tudo isso para salvaguardar os interesses gerais do Estado e também a legalidade. 

Portanto, há uma divisão de trabalho no governo. Os indivíduos devem provar sua aptidão passando nos exames. O poder governamental escolhe certos indivíduos para cargos públicos. Para Hegel, esta divisão de trabalho é ditada pela "natureza da coisa". Os funcionários têm o serviço público pela vida e pelo dever. É por isto que o Estado deve pagar-lhes salários. A burocracia não pode abusar de sua posição, primeiro por causa da hierarquia e da responsabilidade dos funcionários, e depois por causa dos direitos das comunidades e das corporações. A humanidade dos burocratas, em parte depende de sua educação moral e intelectual, em parte reflete a "grandeza" do Estado. Os funcionários são a "mais importante parte da classe média". A "aristocracia e classe de mestres" da classe média está limitada no topo pela soberania e suas instituições, em baixo pelos direitos das corporações. Tal classe média é a classe da cultura. Isso é tudo. Hegel descreve empiricamente a burocracia, como ela realmente é, mas ainda como ela se vê. assim, ele se livra em sua filosofia do Estado, de um capítulo difícil, o do poder governamental. 

Hegel parte da separação entre Estado e sociedade civil, entre os interesses particulares e "o universal em si e para si". É verdade que a burocracia pressupõe o que ele chama de corporações e, em particular, de espírito corporativo. Hegel não fala muito do conteúdo da burocracia; dá apenas alguns traços gerais de sua organização formal. De fato, é correto que a burocracia constitua apenas o formalismo de um conteúdo localizado fora dela. 

As corporações são o materialismo da burocracia e a burocracia é o espiritualismo das corporações. A corporação constitui a burocracia da sociedade civil; a burocracia consiste na corporação estatal. Enquanto a burocracia é a sociedade civil do Estado, as corporações são o Estado da sociedade civil. Onde o interesse do Estado começa a afirmar-se como interesse próprio e, portanto, como um interesse real, enquanto princípio novo a burocracia combate as corporações; a consequência luta contra a existência de seus pressupostos. Pelo contrário, sempre que a sociedade civil, impulsionada por um instinto natural, procura libertar-se das corporações, a burocracia procura restabelecê-las. O desaparecimento do "!Estado da sociedade civil" implicaria o desaparecimento da "sociedade civil do Estado'. O espiritualismo desaparece com seu contrário, o materialismo. Aqui a consequência luta pela existência de seus pressupostos...

...Se a burocracia combatia anteriormente a existência das corporações para tomar seu lugar, procura agora salvaguardar a existência das corporações para salvar o espírito corporativo, seu próprio espírito. 

A burocracia traduz o "formalismo político" da sociedade civil. É a consciência do Estado, sua vontade, seu poder, como corporação, portanto, como uma sociedade particular e fechada, no Estado.* Porém a burocracia quer que os outros poderes sejam apenas imaginários, mas precisa da burocracia para garantir-se contra outras corporações, contra outro interesse particular. Acontece que a burocracia, a corporação realizada, derrota a corporação, a burocracia irrealizada. Ela a reduz, ou busca reduzi-la, a uma pura aparência, mas quer que tal aparência exista e acredite em sua própria realidade. Na corporação, a sociedade civil tende a tornar-se um estado. Na burocracia, o Estado torna-se sociedade civil. 

O "formalismo político", isto é, a burocracia, é "o Estado como formalismo", assim o descreve Hegel. À medida que o formalismo político constitui um poder efetivo, ele se torna seu próprio conteúdo. É óbvio que a burocracia em si se transforma num tecido de ilusões práticas: a ilusão política. O espírito burocrático é um espírito inteiramente jesuítico e teológico. Os burocratas são os jesuítas e os teólogos da política. A burocracia é a república sacerdotal!...

A burocracia é, a seus próprios olhos, o objetivo final do Estado. Ao transformar seus objetivos "formais" em seu conteúdo, ela entra em conflito com os objetivos "reais". Portanto, é forçada a apresentar a forma como conteúdo e o conteúdo como forma. Os objetivos do Estado passam a ser os da burocracia e os da burocracia os do Estado. A burocracia é um círculo do qual ninguém pode escapar. Essa hierarquia é uma hierarquia do saber. A cabeça instrui os membros inferiores a entender os detalhes; os membros inferiores acreditam firmemente que a cabeça entende o todo e, portanto, abusam uns dos outros.

A burocracia é o Estado imaginário ao lado do Estado real: o espiritualismo político. Tudo possui dois significados - um real, outro burocrático; da mesma forma existem dois tipos de saber - saber real e saber burocrático. O mesmo vale para a vontade. Mas tratamos a realidade burocraticamente, ou seja, só vemos seu lado irreal e espiritual. A burocracia detém em sua posse a essência do Estado, a essência espiritual da sociedade, , é sua propriedade privada. A essência espiritual da burocracia é o segredo, o mistério, mantido dentro dela graças à hierarquia, e em relação ao mundo exterior, graças à sua natureza corporativa fechada. O espírito político e a opinião pública, assim que explodem, aparecem como uma traição, como uma violação de seu mistério. O princípio de seu saber é, por conseguinte, a autoridade, e sua mentalidade é o culto dessa autoridade. Dentro da burocracia, o espiritualismo torna-se materialismo sórdido, obediência passiva, fé cega na autoridade, prática mecânica esclerosada de princípios, opiniões e tradições congelados. 

Quanto ao burocrata, considerado individualmente, o Estado torna-se para ele seu campo particular de caça aos cargos mais altos - isso é o carreirismo

* 
O materialismo sórdido da burocracia vem acompanhado por um espiritualismo igualmente sórdido, no sentido de que quer fazer tudo, concebe sua vontade como causa primeira e, 
por receber todo seu conteúdo de fora, somente pode provar a existência dando forma e limite a esse conteúdo, que é atividade em estado puro. Para a burocracia, o mundo é apenas um objeto passivo de suas atividades...

A burocracia só pode desaparecer se o interesse geral se tornar interesse particular: não apenas em teoria, como em Hegel, mas na vida real, o que por sua vez só é possível se o interesse particular for identificado com o interesse geral. 

A separação entre a sociedade civil e o Estado leva à separação entre o cidadão político e o membro da sociedade civil. Dentro do indivíduo, portanto, há uma divisão. Como cidadão real, ele pertence a dois sistemas distintos: a organização burocrática... e a organização social, a da sociedade civil onde ele se encontra como homem privado fora do Estado, porque fica alheio ao Estado político enquanto tal. A burocracia é um corpo do Estado ao qual o indivíduo fornece apenas matéria. A sociedade é um organismo civil do qual o Estado não é a matéria. A burocracia opõe-se ao Estado como forma, a sociedade civil como matéria. Para agir como verdadeiro cidadão do Estado, para desempenhar pepel político, o indivíduo deve esquecer sua realidade civil, ignorá-la, sair dela para refugiar-se em sua indivualidade pura e simples... A cisão entre a sociedade civil e o Estado político, por isto, inevitavelmente assume a forma de separação entre o cidadão político e a sociedade civil, ou seja, sua própria realidade empírica.

Como idealista político, ele é um ser completamente diferente, bem diferente de sua realidade empírica, e até mesmo oposto a ela.

A dispersão em átomos de membros da sociedade civil, quando se tornam membros da sociedade política, resulta do fato de que o ser social ou a comunidade na qual o indivíduo existe, isto é, a sociedade civil estar separada do Estado; por outras palavras, o Estado político é a abstração da sociedade civil. 

*: (O interesse geral só pode ser um interesse particular em relação a cada interesse particular, desde que cada interesse particular se proclame geral em face do geral. A burocracia é obrigada a proteger a generalidade IMAGINÁRIA do interesse particular a fim de proteger a particularidade imaginária do interesse geral: seu próprio espírito. O Estado deve ser uma corporação na medida em que a corporação quiser ser o Estado).

OBS: GRIFOS MEUS (NOTA DO TRADUTOR).


CRÍTICA À FILOSOFIA POLÍTICA DE HEGEL (1842).



 












  

quarta-feira, 21 de abril de 2021

AO MAX WEBER ESQUECIDO 2013.

"AO MAX WEBER ESQUECIDO"

PROJETO DE CURSO MINISTRADO NA UNICAMP - 2013, agradecendo a Profa. Dra. Águeda Bittencourt e a FAPESP,

BIBLIOGRAFIA  BÁSICA:


WEBER, Max - Ciência e política - duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1970, trad. de Leônidas Hegenberg e Octany Silveira da Mota.

--------------- - A ética protestante e o espírito do capitalismo. S. Paulo: Pioneira, 1967, trad. de M. Irene e Tamás Szmrecsányi.

--------------- - Ensaios de Sociologia. R. de Janeiro: Zahar, 1971, 2a. ed., trad. de Waltensir Dutra, revisão técnica de Fernando Henrique Cardoso.

--------------- - Sobre a teoria das ciências sociais. Lisboa: Presença, s/d, 3a. ed., trad. Carlos Grifo Babo.

----------------- - Ensaios de sociologia e outros escritos. São Paulo: Abril Cultural, 1974, Os Pensadores, volume Max Weber, tradução e seleção de Maurício Tragtenberg: "Parlamentarismo e governo numa Alemanha reconstruída".

------------------ - Economía y sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1944, trad. José Medina Echavarria, 2 volumes.

------------------ - História geral da economia. São Paulo: Mestre Jou, 1968, trad. Calógeras A. Pajuaba.

--------------------- - Sobre a Universidade. São Paulo: Cortez, 1989, Coleção Pensamento e Ação, direção de Maurício Tragtenberg.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

DIGGINS, John Patrick - Max Weber - A política e o espírito da tragédia. Rio de Janeiro-São Paulo: Record, 1999, trad. Liszt Vieira e Marcus Lessa.

FERNANDES, Florestan - Fundamentos empíricos da explicação sociológica. São Paulo: Nacional, 1972.

FREUND, Julien - Sociología de Max Weber. Barcelona: Península, 1968, tradução de Alberto Gil Novales. 

KOFLER, Leo - La ciência de la sociedad. Madrid: Revista de Occidente, 1968.

LUKÁCS, Georgy - El asalto a la razon. Barcelona-México: Grijalbo, 1972, 3a. ed., tradução Wenceslao Roces.

MARTINDALE, Don - La teoría sociológica. Madrid: Aguilar, 1968. 

TRAGTENBERG, Maurício - Educação e burocracia. São Paulo: Edunesp, 2012, p. 139-159, Coleção Maurício Tragtenberg, direção de Evaldo A Vieira.

VIEIRA, Evaldo Amaro - Poder político e resistência cultural. Campinas-SP: Autores Associados, 1998.


TEMAS:

Tema 1: Ciência e metodologia weberiana 

1) Diferença entre os tipos de vida: Ocidente e Oriente;

2) Ciência do Ocidente: -Racionalização
- Racionalização x Racionalidade;
- Matemática: sistematização:
- Arte: Música (escla cromática), Arquitetura (ogiva de igreja);
 - Direito.

3) Técnica: divisão de trabalho.

4) Constituição: parlamento, administração. 

5) Capitalismo: lucro especulativo.

6) Capitalismo Moderno: - 

Ética:

- Protestante, burguesa, da acumulação do capital, da responsabilidade e da convicção;
-Trabalho livre;
- Separação entre empresa e produção dominical; 
- Religião racionalizada: burocracia eclesiástica.

Contabilidade, bolsa de valores.

Possibilidades técnicas e científicas.

Racionalização: capital fixo, cálculo formal.

Antes estamentos, com o capitalismo surgem as classes sociais.

Trabalho: vocação: como fim em si mesmo.


7) Método de Weber:

Neokantismo (Sociologia Alemã) e Filosofia dos Valores: crítica ideológica e crítica intralógica/ teoria e doutrina/ Kant/Dilthey/Rickert/Weber.

Relação entre meios e fins: racionalização. 

Objetividade: sempre relativa por causa dos juízos de valor.

- o método refuta o positivismo, o foco não é o fato como coisa, mas o sentido da ação e das relações sociais; 
- o método não é utópico: o método singular pela compreensão, pela construção do tipo ideal, não é teleológico; 
- o método não é acidental: a razão do pesquisador cria a categoria que decorre da frequência dos traços;