segunda-feira, 11 de julho de 2016

O CONSERVADORISMO Evaldo Vieira - ed. 1998, 2016







Estudar o conservadorismo, mostrando a conduta que levou pensadores e políticos a esta posição, certamente constitui subsídio importante para a compreensão do nosso tempo. 

O conservadorismo é uma atitude baseada em doutrinas que exprimem concepções de mundo, pertencentes a grupos da sociedade. 
Falando de tal assunto, Lucien Goldmann observa:

"Quase nenhuma ação humana tem por sujeito um indivíduo isolado. O sujeito da ação é um grupo, um "Nós", se bem que a estrutura atual da sociedade tenda por meio do fenômenos da reificação o ocultar este "Nós" e a transformá-lo em soma de várias individualidades distintas e fechadas umas para as outras.

E acrescenta adiante Goldmann:

"Uma concepção de mundo é precisamente este conjunto de aspirações, de sentimentos e de ideias que reúne os membros de um grupo (ou o que é mais frequente, de uma classe social) e os opõe aos outros grupos" (1).

A atitude conservadora dá a impressão, e só a impressão, de não integrar doutrina ou sistema bem estruturado. Muitos exemplos vêm reforçar tal impressão, como a abolição da escravatura nos Estados Unidos e no Brasil, originadas respectivamente de um republicano e de um conservador, e não de democrata e de liberal. 

Na mesma situação da atitude conservadora se enquadram os termos "direita" e "esquerda", criações da prática parlamentar francesa dos inícios do século XIX. 

Embora tenham conquistado inteiramente o linguajar político, eles não possuem medida fixa e bem delineada para distinguir ambas as posições, já que o centro não apresenta exatidão. Também não é possível basear-se em simples diferenças com que se indicam estas expressões, variáveis em cada momento histórico. 

Em certas circunstâncias, as duas posições, direita e esquerda, podem formar um círculo, descrevendo-o pela união dos extremos: assim é que muitas vezes a extrema direita e a extrema esquerda se unem numa atitude, seja coincidindo os votos, seja praticando atos idênticos. 

As atitudes e doutrinas conservadoras representam-se em concepções de mundo, em construções ideológicas, em sistemas de ideias, cujos significados se enraízam num grupo ou numa classe social, e explicam estas atitudes e estas doutrinas. 

O Iluminismo do século XVIII destaca na Igreja Católica Apostólica Romana a base da doutrina conservadora, condenando-a com vigor e contrapondo a ela seu naturalismo, seu materialismo, sua crença no progresso inevitável.  Defendendo a liberdade e a igualdade, rejeitando a tradição e as hierarquias instituídas, os iluministas conflitam com um conjunto de ideias sustentadas pelo Catolicismo tradicional.  

A doutrina católica tem dado origem a posições tradicionalistas, porque a religião supõe a crença no poder sobrenatural, que prescreve verdades absolutas e eternas. Um caso deste tradicionalismo, de grande projeção, está na obra de Joseph de Maistre (1753-1821), famoso expositor do que diz ser princípios absolutos e eternos. 

Autoritário, antiprogressista, antirracionalista, inteiramente antidemocrático, Joseph de Maistre fundamenta seu pensamento em dogmas, sobretudo religiosos, nunca discutindo para não prejudicar a segurança e a ordem social. Em suas palavras:

"Os homens veneram o que não podem compreender...  As sociedade devem ser governadas pelos costumes e pelas instituições, cuja origem se perde nas névoas da história" (2). 

Conforme Joseph de Maistre, a sociedade deve prevalecer sobre o indivíduo, com progressiva concentração do poder e da autoridade, convertendo assim a monarquia absoluta na única forma aceitável de governo. Sua visão organicista concebe a sociedade como organismo real, dando aos indivíduos a condição de partes deste organismo, mas de partes sem liberdade. Ao analisar o poder, De Maistre observa:

"A razão humana, reduzida às suas forças individuais, é completamente nula porque produz apenas disputas e o homem, para se guiar, não precisa de problemas, mas de crenças...  E quando sua razão se manifesta, encontra feitas todas as suas opiniões, pelo menos sobre o que tem relação com sua conduta. Não há nada mais importante que estes preconceitos...  Sem eles, não pode haver culto, nem moral, nem governo"  (3).

De Maistre reduz a liberdade a uma clara manifestação de revolta contra o todo social. Deseja acima de tudo a teocracia, em que o Papa desempenha o papel de depositário do poder de Deus na terra. De Maistre não acredita em nenhuma inovação e, antes, pelo contrário, quer demonstrar que o mal moderno reside na ideia de ser possível o surgimento de algo novo e bom. 

Pensando dessa forma, ele põe sobre os ombros de Francis Bacon (1561-1626) a responsabilidade de inventar o mal moderno. Em Francis Bacon, De Maistre condena até mesmo o título de sua obra Novum Organum, pois nenhum outro novo instrumento de conhecimento existe que o passado não tenha descoberto. Segundo ele, Aristóteles já oferecera o instrumento humano, e não mais há novidade porque o homem é sempre igual. 

Joseph de Maistre somente admite novidade ou existência do homem novo no Evangelho; fora dele, a sociedade contém em si predominantemente característica de completa imutabilidade e o ideal, o eficaz para todos os tempos, está sintetizado na concepção de mundo católico da Idade Média. 

A este tipo de conservadorismo, expresso por De Maistre, pode-se associar o do Visconde de Bonald (1754-1840). 

Ambos os pensamentos conservadores não se diferenciam grandemente. De Bonald distingue-se de De Maistre sobretudo na maneira de iniciar sua teoria. O Visconde de Bonald começa com analogias entre o indivíduo, a família e a sociedade, identificando-se enfim com De Maistre e concluindo também pela necessidade de viver de acordo com as leis e as tradições herdadas dos antepassados, de fato vindas de Deus. 

De Bonald apregoa a importância da religião como fundamento de qualquer poder. Ele afirma, na Teoria do Poder Político e Religioso, que os filósofos "pregam o ateísmo aos grandes e o republicanismo ao povo. Resulta desta dupla instrução que os grandes, ao criarem o desprezo pela religião, criam também dúvidas sobre a legitimidade do próprio poder exercido por eles; e o povo, odiando ou invejando a autoridade política, cria por seu lado dúvidas sobre a utilidade de uma religião que prescreve a obediência ao governo. 
Da crença imperturbável na supremacia da religião e do poder, De Bonald extrai o caráter natural da desigualdade, decretando que "onde todos os homens consentem em dominar com vontades iguais e forças desiguais, é necessário que um único homem domine ou que todos se destruam" (4). 

Outro conservador cristão a ser lembrado, o Cardeal Newman (1801-1890), ocupa o lugar de personalidade importante no renascimento da Igreja Anglicana no princípio do século XIX, a qual depois abandonou, transferindo-se para a Igreja Católica. 

O Cardeal Newman critica o Liberalismo (em que se inclui o Iluminismo), seu principal ponto de ataque. É o Liberalismo com suas conclusões científicas quem desmente verdades divinas sobre a pobreza e a riqueza. É o Liberalismo quem permite a utilização dos bens da Igreja, quem aceita o povo como fonte legítima do poder, sustentando que a virtude resulta do conhecimento.

Mas o Cristianismo tradicional do Cardeal Newman não recusa qualquer mudança, como De Maistre. Ele reconhece a possibilidade de ocorrerem transformações progressistas e transformações corruptivas. A distinção entre uma e outra não nasce da prova científica, nasce do sentido ilativo que é a justificação psicológica unificadora do sentimento estético, do sentimento moral e da experiência real. 

O sentido ilativo consiste num traço individual, não tendo a universalidade da lógica científica. Assim, o sentido ilativo permite ao Cardeal Newman adotar uma política conservadora fundada na manutenção da ordem socioeconômica, a partir de verdades já confirmadas pelos santos, sábios e artistas. 

A formação cristã tradicional ou a formação católica tradicional não constituem as únicas fontes geradoras de conservadorismo. O estudo do autoritarismo, do totalitarismo, do aristocratismo, desligados do Cristianismo, revela elementos conservadores

Nos séculos XIX e XX, encontram-se ideias que sugerem o regresso ao passado, tido como a melhor época. Este ideário valoriza a aristocracia, o governo dos sábios e dos bons, a tradição do cavaleiro grego e romano, concordando por vezes até com o governo popular, porém esperando da democracia outro meio diferente de ganhar dinheiro e de dominar multidões. 

Alexis de Tocqueville (1805-1859), considerado liberal, embora nobre, bem representa esta orientação. Em sua obra A Democracia na América, inquieta-se com a preferência norte-americana pela igualdade, não vendo com bons olhos a reinante desconfiança no requinte intelectual e o perigo da indiferença às qualidades do cavaleiro. 

Com relação aos Estados Unidos, Tocqueville não se sente bem com a pretensão de atingir a perfeição imediata ou com a crença na infalibilidade da maioria. 

Conciliando a influência tradicionalista recebida de Edmund Burke com as inclinações inevitáveis da sociedade, Alexis de Tocqueville prevê, em certo sentido, o progresso norte-americano, mas não deixa de suspeitar da superestima dos objetivos materiais em detrimento dos espirituais. Recebe de Burke também a crença no auxílio da Providência para a realização de mudanças no mundo e a desconfiança no povo, que é cultuado em lugar de Deus, como abstração. 

Com seu conservadorismo liberal, Tocqueville torna-se crítico e reformador da democracia, indicando o despotismo democrático resultante das tendências para a simplicidade de conceitos e estrutura, para a centralização, padronização e materialismo, em oposição ao excêntrico e ao misterioso, aos contrastes e à valorização da personalidade.

Diante dos perigos do despotismo, a liberdade na democracia deve ser salvaguarda. E aí está a principal função da aristocracia e da religião, da lei e do costume, e ainda da educação pública. 

O conservadorismo da aristocracia limita a arbitrariedade do poder, enquanto a religião refreia as propensões materialistas e inovadoras dos democratas. Tocqueville vê nas leis e nos costumes, quando estabelecidos segundo a natureza popular, seguros impedimentos à concentração do poder, ressaltando igualmente a valiosa contribuição da educação pública como meio de instruir o povo sobre seus direitos e deveres. 

Restringindo-se apenas ao tema, pode-se dizer que Tocqueville prefere proteger o mundo tradicional com suas forças e defeitos, ante a ideia de uma humanidade planificada. 

E nisto não está só, como se sabe, mas é seguido por outros como Henry Maine (1822-1888), exemplo de suspeita aristocrática da democracia. Ele chega à conclusão de que a segurança do Estado legal é mais desejada que a liberdade de contratar. 

Porém, maior atenção exige o conservadorismo dos movimentos de grupo. Alguns grupos como os "tories" democratas que, apesar de crerem no voto, opõem-se à desordem, à valorização desenfreada do dinheiro e às vezes à fealdade da época, não têm consequências tão amplas e profundas como os grandes movimentos totalitários de direita no século XX: o fascismo (Itália, 1922-1945), o nazismo (Alemanha, 1919-1945) e outros de mesma natureza. Grupos deste tipo empreenderam ao longo do século XX as ações mais penetrantes contra a democracia, apoiando-se em motivo ético, nacional, racial ou de diferenciação biológica. 

Para tais grupos, na condição de representante da unidade nacional, o Estado deve crescentemente influenciar a vida dos homens, cerceando a liberdade individual  mesmo em países com influência iluminista. Desenvolve-se a crença nas relações entre raça e nação, as quais condicionam os dotes espirituais e culturais. O período nazista e o período fascista configuram-se como casos típicos deste totalitarismo de direita (5). 

Eis a visão mais geral do conservadorismo. A seguir, são expostos três de seus momentos de grande repercussão. 



O Conservadorismo



Genericamente, a valorização da mudança e a preservação das tradições constituem os dois principais traços distintivos entre o progressismo e o conservadorismo. Mas existe mais complexidade nisto.

Nota Karl Mannheim (1893-1947) que há dois tipos de conservadorismo (6): o "conservadorismo natural", mais universalista, aquele a que Max Weber denominou "tradicionalismo"; e o "conservadorismo moderno", resultante das condições históricas e sociais, sendo mais particularista. 

No entendimento de Karl Mannheim, o Tradicionalismo admite velhas maneiras de viver, nascidas do hábito, em processo que se pode chamar de inconsciente. Reage à inovação devido ao formalismo da mente. Assim, o tradicionalismo não implica sempre conservadorismo político ou qualquer outro conservadorismo. Casos existem em que um progressista em política se conduz de modo tradicional em outro campo de atividade. 

O Conservadorismo consiste no conservadorismo moderno, de acordo com a acepção de Mannheim: é considerado como a conscientização do tradicionalismo. Traduz-se em intenção relacionada com circunstâncias, que mudam de uma época para outra.

Karl Mannheim, e outros que o acompanham nas definições de conservadorismo, até admitem nele mutações decorrentes das circunstâncias, como sucede com um dos dois tipos: "o conservadorismo moderno". Porém, não vinculam o conservadorismo especificamente à concepção de mundo produzida pelos membros de um grupo ou de uma classe social. Por exemplo, Russell Kirk (7) apresenta os pontos principais do conservadorismo da orientação de Edmund Burke, embora se saiba que variações e acréscimos ocorrem necessariamente. 

Para o conservador, o divino dirige a sociedade e o indivíduo, delineando eternos direitos e deveres. Portanto, o problema político também é religioso e ético. Nada de igualdade e de uniformidade, o que vale é a variedade e o enigma da vida tradicional. Assim, o conservador concorda com a existência de ordens e classes, mas acredita que a única e verdadeira igualdade é a igualdade moral, prestigiando ao mesmo tempo a autoridade, indispensável à vida social. 

No pensamento do conservador, a propriedade privada e a liberdade ligam-se intimamente, ficando a sobrevivência de uma dependente da sobrevivência da outra. Prefere os sentimentos à razão, não confiando no sofisma e no cálculo, rejeitando a ideia de reforma. 

O conservadorismo distingue reforma e mudança, e considera legítima para a sociedade apenas a mudança, que se deve processar lentamente como acontece no corpo humano, sempre sob a direção do divino. Na mudança conservadora, se substituem elementos individuais por elementos individuais, particulares por particulares, enquanto a mudança progressista atinge a totalidade, o indesejável e o mundo que o torna possível. 

O que importa ao conservador é o imediato e o real, desprezando e excluindo a especulação e a hipótese. Fustiga, portanto, a generalização e o pensamento sistemático. Colocando-se o pensamento na perspectiva do tempo, o conservador fixa-se no passado, à medida que ele participa do presente (8).



Edmund Burke


Edmund Burke (1729-1797) é considerado o maior representante do conservadorismo moderno, que se inicia em 1790, com a publicação das suas Reflexões sobre a Revolução na França e sobre o Comportamento de Certas Comunidades em Londres com Relação a esse Acontecimento, nas quais está exposta a oposição entre conservação e inovação. 

Robert Nisbet, aludindo a este escritor e político inglês, diz que ele 

"...preocupou-se, ao longo de uma das mais admiradas carreiras na História do Parlamento, com cerca de cinco diferentes revoluções, ao todo, tendo apoiado quatro delas de modo vigoroso e firme: a revolução inglesa de 1688, quatro décadas antes de seu nascimento; a Revolução Americana; a revolta dos bengalis, na Índia, contra a British East India Company; e as esporádicas insurreições dos católicos irlandeses contra as forças inglesas na Irlanda. O que Burke odiava era, em suas próprias palavras, "o poder arbitrário". Ele o detestava, na forma pela qual os ingleses o exerciam contra os americano - assim levando os colonos, no ponto de vista de Burke, à justa revolta contra a Coroa inglesa - ou na forma que ele tão rapidamente assumiu depois de 1789, na França dominada pelas assembleias e convenções revolucionárias" (9).

Fazendo referência ao "poder arbitrário", Edmund Burke declara: 

"A lei e o poder arbitrário estão em permanente inimizade. Mostrem-me um magistrado, e eu lhes mostrarei propriedade; mostrem-me o poder, e eu lhes mostrarei proteção. É uma contradição de termos, uma blasfêmia na religião, uma iniquidade na política, afirmar que qualquer homem pode possuir poder arbitrário" (10).

Como se observou antes, ao tratar de Tocqueville, a influência de Burke é ampla. Seu legado ao Liberalismo reside principalmente na ideia de que a liberdade não significa inovação, mas tradição a ser conservada. Outros legados de Burke ao Liberalismo consistem ainda no respeito pela propriedade privada, no temor pelo poder político alheio a ela, no desejo de que o governo governe menos. 

Vivendo na Inglaterra, em época de luta entre o Parlamento e a Coroa, pois Jorge III tentava recobrar o poder efetivo, Edmund Burke pode ser qualificado como "certamente um homem de teoria mesmo na sua desconfiança pelas teorias" (11). Apesar disto, não se pode dizer que tenha conseguido produzir uma completa e sistemática teoria do Estado. 

Na obra Estado Atual da Nação, Burke apresenta muitas das ideias que sempre defenderá. Delas, merece atenção a ideia de que constitui perigo não somente propor reforma da Constituição, como também a simples crítica a ela, por acarretar redução da confiança popular em suas qualidades. 

Em Pensamentos Sobre as Causas do Atual Descontentamento, Burke se nega a discutir o valor abstrato da voz do povo, não deposita total crédito no povo, fala de seus enganos, afirma finalmente que "o povo não tem interesse na desordem"

A confiança na tradição impele-o à solução conciliatória na questão das colônias americanas, concordando com concessões em razão de os colonos serem de descendência inglesa, dotados de arraigada noção de liberdade, não da liberdade abstrata, mas da liberdade das instituições tradicionalmente existentes na Inglaterra.

O início da Revolução Francesa de 1789 impõe a Burke uma atitude diferente daquela tomada perante a Revolução Americana, em 1775. Na verdade, ambas se diferiam muito. 

Na Revolução Americana sobrepõe-se o aspecto político, baseado no equilíbrio social, decorrente do compromisso entre as forças da sociedade e as da manutenção da desigualdade. A Revolução Francesa alcançou toda a vida humana, sob a égide da igualdade e dos direitos do homem.

Dentro desse quadro, Edmund Burke publica suas Reflexões sobre a Revolução na França, repudiando os acontecimentos revolucionários e tornando-se uma fonte para os que se opunham a eles. 

Thomas Paine (1737-1809) responde-lhe em Os Direitos do Homem (1791),  e critica seus princípios básicos de análise, como, por exemplo, ao discutir os limites da lei constitucional:

"O Sr. Burke diz-lhes, e diz ao mundo que há de vir, que certo grupo de varões, vividos mais de cem anos antes, fez uma lei; e que não existe agora na nação, nem jamais existirá, nem poderá existir, poder capaz de a mudar...
Basta um pouquinho de reflexão perceber que, embora as leis feitas numa geração continuem muitas vezes em vigor por sucessivas gerações, continuam a tirar a sua força do consentimento dos vivos" (12). 

Se no começo Burke deplorou o radicalismo individualista, depois se deparou com algo novo e não menos lamentável para ele: o fortalecimento do Estado, que feria igualmente seus princípios. 

Sua liberdade é a da Revolução Gloriosa de 1688 e seu centro de interesse é a Constituição inglesa, que deseja preservar mesmo com defeitos, por entendê-la uma herança dos antepassados a seus descendentes, exigindo especial zelo na reforma para não colocar em perigo sua conservação. Edmund Burke pensa que a estabilidade da propriedade garante a ordem social. Sua igualdade funda-se no fato de que os homens são iguais perante Deus, e só deste modo, pois o restante é fundado na desigualdade. 

Como John Locke, Burke reconhece os direitos do homem, mas não compartilha do caráter metafísico com que se apresenta. Segundo ele, a existência dos direitos do homem se impõe devido à sua natureza sagrada. 

Assim, admite a reforma, posiciona-se como anti-imperialista e partidário de Adam Smith, sem aderir à ideia de sufrágio universal. Pode assumir posições liberais, nunca democratas. 

Edmund Burke evita teorias, interessa-se pelo realismo. Entende a Política sem metafísica e sem absoluto. Entende-a como resultado da experiência. Não desconhece a razão do iluminista, mas defende para as coisas humanas o simples uso da experiência.   

Crê que a vontade de Deus se oferece aos homens por meio do desenrolar da História, transformando o divino na fonte da felicidade humana. Daí infere a conclusão: a origem do mal localiza-se no coração do homem e não nas instituições. Envolto na visão teocrática do mundo, Burke considera a Política como conjunto de problemas morais subsistentes na sociedade, a qual segundo ele tem o sentido de unidade "espiritual" em constante destruição e renovação, como a Igreja. O governo converte-se desta maneira em depositário do poder existente na sociedade, responsável também perante Deus, origem de toda autoridade

A grandeza de um governo repousa em saber discernir entre o que precisa de conservação e o que necessita de reforma, funcionando sempre com prudência e honestidade. As qualidades básicas do governo consistem na virtude e na sabedoria, para cuja descoberta a eleição popular é inteiramente ineficaz. Seu "modelo de homem de Estado" utiliza-se de materiais "dados" pela sociedade e não de ideias importadas (13). 

Sustentando este conjunto de proposições e admitindo a revolução como ato extremo, depois de esgotados todos os demais recursos, Edmund Burke julga a Revolução Francesa de 1789 a suprema manifestação do dogma e da doutrina, do ateísmo e da destruição. E constituindo apenas destruição, para ele a Revolução Francesa não poderia significar certamente evolução, mas sim aniquilamento de um sistema de liberdades e de direitos concretos e imperfeitos em favor de conquistas teóricas e dogmáticas, perfeitas e inexistentes (14).



John Adams




Compondo a união dos ideais liberais com o pensamento tradicional, John Adams (1735-1826) pode ser visto como o real pioneiro do conservadorismo nos Estados Unidos. Neste particular, prepondera sobre Alexander Hamilton (1757-1804) no sentido de que este, comumente mais destacado, representa confusão de financista prático, centralizador em seu federalismo, com tendência conservadora

Eleito delegado de Massachusetts no Congresso Continental em 1774, e no Segundo Congresso Continental em 1775, neste mesmo ano, John Adams designa George Washington  Comandante do Exército Colonial.  Participa em 1776 da elaboração da Declaração da Independência e é ainda o principal autor da Constituição de Massachusetts, adotada em 1780. 

Com as eleições de George Washington em 1789 e em 1792 para Presidente dos Estados Unidos da América, John Adams torna-se Vice-Presidente neste período. Elege-se Presidente dos Estados Unidos em 1796. Junto com George Washington e Alexander Hamilton, John Adams dirige os Federalistas, enquanto Thomas Jefferson lidera os Republicanos. 

Como conservador, Adams critica as posições radicais, condenando a crença na perfeição humana e no valor do Estado centralizado, mostrando o que há de visionário nas teorias políticas dos franceses. 

Segundo ele, a liberdade somente será alcançada e mantida por intermédio de homens sensatos, que vissem a humanidade realisticamente, como ela é. John Adams na verdade não ocupa a mesma posição de Edmund Burke. Coloca-se no ponto médio, entre os extremos do conservadorismo inglês e do conservadorismo francês. Burke e Adams combatem o radicalismo revolucionário diferentemente: enquanto o primeiro fala de preconceito, de costume e de direitos naturais, o segundo bate-se contra a concepção de perfectibilidade e de unitarismo. 

As Ideias Sobre Governo e a Defesa das Constituições do Governo dos Estados Unidos da América, entre outros escritos de autoria de John Adams, oferecem passagens bem esclarecedoras dos principais fundamentos de seu pensamento. 

Assevera Adams nas Ideias Sobre Governo que 

"...a divina ciência política é a ciência da felicidade social e as bênçãos da sociedade dependem inteiramente das Constituições de Governo... Todos os políticos, em suas especulações, concordarão em que a felicidade da sociedade constitui o propósito de governo, como todos os teólogos e filósofos morais concordarão em que a felicidade do indivíduo constitui o alvo do homem" (15).

Na Defesa das Constituições do Governo dos Estados Unidos da América, impugnando as teorias de Turgot e de Rousseau sobre o absolutismo democrático principalmente, John Adams diz que 

"...a natureza humana é tão incapaz, agora, de atravessar revoluções com moderação e sobriedade, paciência e prudência, ou sem fúria e loucura, como o foi entre os gregos, há tempos passados.   ...Os Estados Unidos da América exibiram, talvez, o primeiro exemplo de governos erguidos segundo os princípios simples da natureza... (...) M. Turgot em sua carta ao dr. Price, confessa que "não está satisfeito com as Constituições que até então foram formuladas para os diferentes Estados da América". Observa que "na maioria delas, são imitados os costumes da Inglaterra sem qualquer motivo especial. Ao invés de reunirem toda a autoridade num só centro, o da nação, estabeleceram diferentes organismos - um de representantes, um Conselho e um governador - porque existem na Inglaterra uma Casa dos Comuns, uma Casa de Lordes e um rei" (16).

Contestando Turgot, John Adams pergunta

"que costumes ingleses reteve ela (a nação) que, com propriedade, se possa chamar um mal?  (...) jamais existiu entre os homens uma democracia simples e perfeita. (...)  Houve, ou haverá, nação cujos indivíduos fossem iguais em qualidades naturais e adquiridas, em virtudes, talento e riquezas? A resposta de todos os homens, deve ser negativa. Cumpre, pois, reconhecer que em todo Estado (...) há desigualdades que Deus e a natureza ali plantaram e que nenhum legislador humano jamais poderá desarraigar.  (...) Enumeremos algumas delas:
1) Há desigualdade na riqueza;
2) Nascimento.
(...) Estas fontes de desigualdade, comuns a toda gente, não podem ser alteradas porque se fundam na constituição da natureza; discorreu-se sobre esta aristocracia natural entre os homens porque é fato essencial a ser considerado na instituição de um governo. Forma um organismo de homens que contém o maior acervo de virtudes e habilidades num governo livre, é o ornamento e a glória mais brilhantes da nação e pode, sempre, transformar-se na maior bênção da sociedade se for judiciosamente regulado na Constituição" (17). 

Adams propõe então o aproveitamento de tais homens numa assembleia legislativa, separada totalmente do poder executivo, mas sendo dependentes do primeiro magistrado desta poder. Ao lado, deve erguer-se a Casa de Comuns, representante do povo (18). 

Eis aí, nestes fragmentos dos escritos de Adams, de modo claro algumas de suas orientações essenciais. Para ele, os homens são conforme Deus os criou. Reconhecer a falibilidade do indivíduo, suas diferenças, constitui condição para a paz. 

Se admite certa melhoria nos assuntos humanos, ele jamais aventa a possibilidade de perfeição do espírito humano. O progresso demora e depende das instituições e dos desígnios divinos. A natureza impõe a desigualdade, as diversidades da poderes e de faculdades, muito embora - pensa ele - os homens nasçam iguais, vivam a mesmo moral oriunda de Deus e gozem de igualdade jurídica: cada um tem direito ao seu. 

Da desigualdade inabalável, existente na sociedade, infere sua teoria sobre a aristocracia.  De acordo com tal teoria, há aristocratas da virtude e do talento, resultante da natureza e da sociedade, sem meios de mudança decorrente da legislação

Apesar disso, talvez não seja certo dizer que John Adams defende a aristocracia. Constata-se em seus escritos a presença dela, ao notar que se processa sempre a substituição de um tipo de aristocrata por outro tipo, sem seu desaparecimento.

Ante tal situação em que a aristocracia fatalmente domina no regime de sufrágio universal, ou em qualquer outro regime, Adams não descobre eficácia no voto, embora não o combata. Interessa a ele, como se nota nos textos citados, a manutenção do equilíbrio social, representado no Governo pelo equilíbrio de poderes: executivo, senado e câmara, condicionantes da boa lei e da liberdade, esta nascida daquela (19). 

Finalmente, John Adams prefere a noção de virtude à noção de liberdade, da qual extrai esta última, pois "todos os investigadores sensatos da verdade, antigos e modernos, pagãos e cristãos, declararam que a felicidade do homem, bem como sua dignidade, consistem na virtude" (20).



Jackson de Figueiredo




O Catolicismo de Jackson de Figueiredo (1891-1928) retrata uma atitude viva de conservadorismo, que não pode ausentar-se de estudo como este, por sua repercussão entre os católicos brasileiros e até entre os não católicos.

Tal Catolicismo cresce em condições socioeconômicas geradas pela Primeira Guerra Mundial, que acelera a ampliação interna da economia nacional. Contrapõe-se  a esta ampliação um conjunto de obstáculos; um deles é o domínio de importantes campos do comércio interno e externo por estrangeiros, mais propriamente por portugueses.

Por volta de 1920, tais circunstâncias conduzirão ao esforço para a sistematização das questões nacionais. Já em 1919 se cria a Propaganda Nativista por um grupo do qual participa Jackson de Figueiredo. Deste mesmo grupo se origina a Ação Social Nacionalista, em 1920.  

O ano de 1922 encerra ampla significação: ano do Centenário da Independência; das transformações literárias do Modernismo; do início das insurreições político-militares que confluíram para a denominada Revolução de 1930; da criação do Partido Comunista Brasileiro e ainda do Centro Dom Vital. 

O Movimento Modernista de 1922 representa artisticamente estas circunstâncias determinantes tanto da Propaganda Nativista quanto da  Ação Social Nacionalista, formadas dos chamados pensadores da ordem e do progresso: eles rejeitam a revolução devido às destruições que ela promove. Em breve passagem, João Luiz Lafetá aclara o sentido sócio-histórico daquele movimento artístico: "os artistas do Modernismo e os senhores do café uniam o culto da modernidade internacional à prática da tradição brasileira"

Dentro deste universo de preocupações, Jackson de Figueiredo lança pela primeira vez em agosto de 1921 a Revista "A Ordem", sob sua direção, e funda em 1922 no Rio de Janeiro o Centro Dom Vital (21). Igualmente neste ano de 1922, aparece a Confederação Católica, mais tarde convertida em Ação Católica Brasileira

Ambos, o Centro Dom Vital e a Revista "A Ordem", são manifestações do que se deu o nome de Escola Católica, consequência do processo de restauração do espiritualismo, depois do quase predomínio do Positivismo ou do Evolucionismo no Brasil. A restauração é empreendida por Farias Brito (1862-1917), que acabou por revivificar o Catolicismo (22).

Na Escola Católica desperta interesse, dentre outros aspectos, a ação política de Jackson de Figueiredo, uma nova fase do Catolicismo, que projeta todo o seu ardor no combate ao Positivismo ou ao Evolucionismo, defendendo o conservadorismo, particularmente o de Joseph de Maistre, apelidado por ele de "Profeta da Esperança" (23).  

Joseph de Maistre e o Visconde de Bonald, por intermédio do Conde de Saint-Simon, legam muitas de suas ideias a Auguste Comte, criador do Positivismo.

O líder da "Action Française", Charles Maurras (1868-1952), bastante presente nas citações de Jackson de Figueiredo, filia-se ao Positivismo e ao Evolucionismo. Monarquista e católico, Maurras é submetido a dupla condenação durante sua vida: da Igreja Católica em 1926 e da França em 1945, neste último caso à prisão perpétua por colaboração com o inimigo, quando também acaba excluído da Academia Francesa. 

Em suas Reflexões Sobre a Revolução de 1789, Charles Maurras destaca a Lei Le Chapelier, de 14 de junho de 1791. Trata-se da lei responsável pela eliminação das corporações na França, que confirma a proibição de greves e de associações de trabalhadores. Suprimindo os preceitos feudais, esta lei colabora na construção da sociedade burguesa. 

Aludindo aos atos legislativos mais importantes da Revolução Francesa de 1789, nas Reflexões... Charles Maurras mostra que a Lei Le Chapelier significa crime contra a organização dos trabalhadores, sujeitando o operário e o empregador às mesmas normas, igualando um com o outro. 

Afirma então Maurras:

"A história dos trabalhadores no século XIX caracteriza-se pela ardente reação do trabalhador por ninguém romper seu isolamento de "indivíduo", imposto pela Revolução e mantido pelo liberalismo".

De sua parte, Jackson desaprova os positivistas brasileiros, mas reconhece o tradicionalismo da obra de Auguste Comte e dos postulados do Positivismo, seguidos por Charles Maurras. 

Jackson de Figueiredo contesta os que no Brasil, por meio da demagogia, provocam a anarquia militar, impedindo a vitória do candidato natural à sucessão de Epitácio Pessoa, durante a Primeira República, perturbando com isto a ordem existente. Na política brasileira, Jackson defende maior respeito à lei, fortalecendo a noção de ordem e o sentimento de autoridade na vida nacional. Exige sempre a ordem e nunca a revolução. 

A base conservadora de Jackson de Figueiredo repousa sobre o Catolicismo, visto por ele como opositor declarado da revolução, em todos os seus matizes...(...) "A crença obriga..." (...) "A própria História nos demonstra", diz Jackson, "que uma única moral política foi verdadeiramente vivificadora, organizadora, civilizadora: a moral política decorrente dos preceitos religiosos e morais da Igreja Católica"

Para Jackson de Figueiredo, a ruptura do mundo do Catolicismo inicia-se com a Reforma Protestante. De acordo com seu pensamento, surge desta Reforma o fantasma de uma liberdade sem nenhuma realidade concreta, a não ser suas criminosas consequências, como no Ocidente o desaparecimento da monarquia cristã e sua transformação na abominável monarquia liberal ou na "tirania da incompetência",  que tem sido a dos governos democráticos, a dos republicanos, criadores da ordem revolucionária, anticristã, impossível de manter-se por muito tempo

Jackson de Figueiredo declara que é necessário aceitar como máxima do viver a afirmativa de Joseph de Maistre, segundo a qual a revolução deve nos ser tão odiosa que "não é mesmo a contrarrevolução o que se tem a fazer; mas o contrário da revolução".  

Jackson condena o individualismo revolucionário, prevendo reação cada vez maior contra ele, em toda parte, pois a humanidade há de salvar-se, mesmo porque as portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja, e esta sempre abrigará eternamente, nela Deus colocou o segredo da ordem e da justiça. 

Seu conservadorismo repele qualquer tipo de revolução. Assim, sustenta que: "A revolução é mesmo o suicídio, pela menos a tentativa de suicídio dos povos".

Conforme Jackson, a história significa a experiência da razão social em marcha para o ideal da sociedade cristã... Entende que as classes conservadoras jamais foram opressoras; elas são o meio termo entre os opressores de cada momento e os sofredores de sempre: a massa inteligente e trabalhadora...

Ao discorrer sobre o Brasil, Jackson de Figueiredo quer ver determinada a tradição realmente brasileira, capaz de guiar o verdadeiro espírito histórico da nacionalidade. Diante das condições especiais dos povos americanos, chega a admitir que a revolução nem sempre tem caráter negativo, como o das nações da Europa. Também neste ponto permanece fiel a De Maistre que garante a existência de revoluções legitimadas pela Providência; com relação ao Brasil, Jackson diz que a tradição brasileira se constitui durante o Período Colonial, mas somente a revolução contra a metrópole portuguesa oferece-lhe o caráter formal (24).

Com sua atuação viva e até apaixonada, Jackson de Figueiredo doutrina e cria seu círculo, influi no interior do Catolicismo brasileiro e fora dele. Em nossos dias, o Centro Dom Vital e suas obras já não ressoam no público. Igualmente o grupo, antes reunido em sua volta, não mais subsiste. Mas disto não se conclui que sua influência cessou: manifestações conservadoras presentes na sociedade brasileira mostram, às vezes de forma difusa, traços da conduta e do pensamento de Jackson de Figueiredo. 



Três Momentos



Esses três momentos marcantes da atitude conservadora, como outros tantos momentos, se inspiram em doutrinas, que compreendem concepções de mundo ligadas a grupos da sociedade, exigindo o conhecimento do espaço e do tempo em que elas se apresentam. 

Usualmente, o conservadorismo encontra prosélitos em vários grupos e este fato não quer dizer que ele esteja mais ou menos distribuído por toda a sociedade, ou que não se misture com certa camada social ou com certa classe social. Ao contrário desta indeterminação, o conservadorismo prende-se particularmente à concepção de mundo produzida pelos membros camada ou de uma classe social.

Apesar das variadas condições de cada momento, nota-se uma linha de semelhança: consistem em reações decorrentes da necessidade de aceitar o existente como se fosse a ordem definitiva e natural, a ordem estática e anti-histórica, a ordem perfeita e basicamente hierárquica, a eterna verdade. 

Porém, nem sempre o conservadorismo aceita a ordem existente: em geral, ele busca restabelecer a ordem passada, definitiva e natural, estática e anti-histórica, perfeita e hierárquica, a eterna verdade, a ordem ideal a ser perpetuada.  

A partir dessa ordem presente ou passada, qualquer transformação significa antes de tudo maior possibilidade de destruição que de progresso.

O conservadorismo rejeita os acontecimentos revolucionários, como, por exemplo, o terror ou a destruição da propriedade. O conservadorismo incorpora a contrarrevolução, vê-se como defensor do que considera a ordem definitiva e natural.

Em A Decadência do Ocidente, Oswald Spengler (1880-1936) ataca o partido também com tal argumentação: "O partido não é o produto natural de uma raça, mas um agregado de cabeças..."; o partido "é o inimigo mortal da ordem social naturalmente estabelecida..."; "o partido é sempre prisioneiro da ideia negativa, destruidora e uniformizadora da igualdade..." 

Por outro lado, na década de 1920, em A Rebelião das Massas, José Ortega y Gasset (1883-1955) apresenta o conservadorismo de forma direta, sem rodeios; abandona qualquer tentação aristocrática, qualquer preconceito originário da aristocracia, e anuncia o perigo das ações pré-revolucionárias, que podem colocar em risco a subsistência da sociedade democrática e liberal.

Christopher Lasch parece defrontar-se com novos tempos para apregoar o tempo que passou. Se, para Ortega y Gasset, as massas põem em perigo a cultura ocidental, corrompendo-a com seu egoísmo e conduzindo-a à crise, para Lasch, as elites desempenham agora esta função nociva. 

Em A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia, publicado em 1995, Christopher Lasch preocupa-se em demonstrar que as massas assumem o conservadorismo de forma mais clara do que seus dirigentes, abandonam a revolução e creem nos limites da natureza humana. De sua parte, as elites não se relacionam com as massas e não atuam como atuaram na vida já passada. 

O conservadorismo de Lasch transporta-o até o futuro histórico, para lá revelar-lhe o passado, em ritmo indignado:

"Uma vez foi a "rebelião das massas" que se considerava ameaçando a ordem social e as tradições civilizadoras da cultura ocidental. Atualmente, a principal ameaça vem daqueles que estão no topo da hierarquia social. Esta notável mudança nos acontecimentos confunde nossas expectativas quanto ao curso da história e coloca em questão antigas hipóteses" (25).  




(Cf. Vieira, Evaldo - Poder político e resistência cultural - Campinas-SP: Autores Associados, 2016, Capítulo III)