terça-feira, 5 de agosto de 2014

1ª. CENA DA POLÍTICA BRASILEIRA

Faltou-me desde logo o dote da efusão. Não tive o privilégio de ser acumulador de capital humano, sem muitas simpatias para gastar, sem abraços para envolver, sem variadas promessas de felicidade, ventura, contentamento, boa fortuna, sorte ou emprego. Nunca prometi o que não posso fazer nem oferecer, um defeito grave e mortal na prática política do país e do estrangeiro.
Em decorrência disso, não consegui tornar real um dos sonhos de meu pai com o filho sobrevivente: surgir como um novo Roberto Carlos, “quero que você me aqueça neste inverno e tudo o mais vá para o inferno”. Devia ser mais ou menos assim, transcorridos tantos e tantos anos desde que percorri a Rua São Bento, ouvindo continuamente o “vá para o inferno”, em cada loja, alto a não mais poder. Com efeito, no ano seguinte o país foi mesmo para o inferno com o golpe e a ditadura de 1964, de que só saiu com muito sangue, suor e pouquíssimas lágrimas. Como ser novo Roberto Carlos e ficar famoso e rico, se nunca passei perto de guitarra elétrica, não sei balançar o corpo de um lado para outro segurando o microfone, e meu cabelo nunca me tapou as orelhas. Nem sou capaz de mostrar alegria, alegria, alegria, convencê-las, quando as pessoas estão tristes e preocupadas.
Saí por aí em busca de trabalho. Anos e anos se passaram. Um dia, um antigo professor da Faculdade elegeu-se governador do Estado e me queria junto do filho dele, bom rapaz e meu colega nas aulas e na mesma família de nomes “E”. Naquela época eu fumava um bom cachimbo, cujo prazer de misturar os fumos perfumados se somava à virtude de colocá-lo na boca e não falar para ele não apagar. Não falando ou pouco falando se erra pouco! Parei de fumá-lo a fim de sobreviver. Guardei-o de lembrança.
No dia em que tomei posse e fui até a minha futura mesa de trabalho, tive uma surpresa: sobre a indigitada mesa: me deparei com inúmeros pacotes de fumo holandês genuíno, com o qual fazia a mistura com o fumo de Cisneros, gerando um perfume agradável. Estou até hoje à procura do gentil presenteador! Porém entendi o seu recado.
Das mais dolorosas experiências sofridas por mim durante a curtíssima passagem na “administração pública”, sem dúvida uma delas esteve na “oratória política, parlamentar ou coisa que o valha”. Na maioria das vezes ela consiste em obedecer fielmente ao largo princípio: “Vamo aprender ingleis porque portugueis nós já sabe”. Numa das missões a serem cumpridas na “administração pública”, das missões imperdíveis, tive de acompanhar meu amigo, filho do governador, à inauguração do escritório novo de deputado federal, em grande cidade do interior paulista, deputado famoso na ocasião por ter dado o voto da vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral da ditadura, elegendo o hábil Tancredo à presidência da República.  Como é sabido, ele não a exerceu, devido à sua doença e morte.

Viajamos em avião da falecida Vasp, tudo o que era burocrata estadual, desde office boys, apadrinhados como eu, cabos eleitorais e famílias, altos funcionários com os terninhos característicos, secretários e representante do governador. Transcorridos os ritos de comes e bebes, os prefeitos da região, com os rostos corados e os olhos não digo injetados, tomaram da palavra para saudar o “nobre deputado”. Inicialmente, a oratória municipal agradeceu as inúmeras obras públicas (por sinal, realizadas com dinheiro público e não por ele), consistentes em construções que iam do jardim ao esgoto, do dar emprego aos necessitados (eufemismo de empreguismo) à colocação de macadames em 100 metros de rua, com esgoto funcionando, vejam só. Ao final, não mais existia algum benefício a ser agradecido pelos prefeitos presentes; também já se falara do bom pai de família, da esposa alegre, dos filhos garbosos e bem vestidos, do amor dos concidadãos satisfeitos com as ruas limpas. Ansioso por responder aos elogios e às manifestações de amizade finalizar a solenidade, o deputado tolerou um último prefeito que se não falasse algo passaria mal. Disse ele, inteiramente sem assunto: “Exmo. Sr. Deputado, Exma. Família, senhores e senhoras presentes, não, não poderia deixar de dizer algumas palavras, e como os demais prefeitos mostraram todas as suas bondades, sobrou para mim saudar a bendita hora em que o Sr. seu pai o concebeu com sua querida mãe, que estão aqui neste momento de homenagem, em lugar apropriado e macio, numa relação no mínimo satisfatória. Obrigado.” Nada mais acrescentou. 

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