quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O BOM LADRÃO


No segundo ano da colonização do Brasil, em 1655, o Padre Antônio Vieira (que infelizmente não foi meu parente) pregou o Sermão do Bom Ladrão, na presença do rei de Portugal. O Padre Antônio Vieira, como é do conhecimento público, representa uma das mais significativas figuras do século XVII, na história e na cultura luso-brasileira. Talvez seja culturalmente, com relação ao Brasil, a mais completa personagem da colonização portuguesa. Desempenhou-se como orador, conselheiro político da Restauração portuguesa, diplomata, missionário, defensor dos índios, jesuíta e teólogo, catequizador no Pará e no Maranhão. Não faltaram em sua biografia alguns anos de prisão, acusado pela Santa Inquisição Católica de prática de heresia, ao acreditar no Sebastianismo, nas profecias de Bandarra e em defender os judeus, mas morreu no Brasil.

O Padre Antônio Vieira afirma no Sermão do Bom Ladrão: “Nem os reis podem ir ao paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os reis. ...O que vemos praticar em todos os reinos do mundo é, em vez de os reis levarem consigo os ladrões ao paraíso, os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno”.
Ninguém nasce ladrão e ninguém nasce rei. Os homens é que constroem um e outro. Existem no homem o rei e o ladrão. Um carrega o outro, tanto ao paraíso quanto ao inferno e diz Vieira: “...O que vemos praticar em todos os reinos do mundo ...os ladrões são os que levam consigo os reis ao inferno”. E por quê? Nem todos os homens controlam sua ambição!
Se a maioria dos homens não fiscaliza e não cerceia a própria ambição, não fiscaliza e não cerceia o forte desejo de poder ou de riquezas, de honras ou de glórias, torna-se escravo da cupidez. Contrai então doença incurável: converte-se em invejoso, em desgostoso devido à prosperidade alheia, vivendo a vida do outro, espionando as compras, as vendas, os sucessos, as perdas, as tragédias de outrem. Abandona a existência para viver a existência alheia: se ganha certo conforto, isto não lhe basta, é preciso ter mais, o conforto do outro. O invejoso mortifica-se com o desejo irrefreável de possuir as coisas de outrem, de construir casa mais rica que a do vizinho, de comprar carro maior e mais caro que o do vizinho, de vestir-se com mais sofisticação que a mulher do vizinho... De fato, os invejosos não têm paz.
A inveja figura a mãe da ambição, da cobiça e de certa maneira de ver o sucesso. Muitas escolas e universidades nos dias de hoje prometem aos alunos o sucesso e não o conhecimento, como se a função de CEO das empresas ou a lista dos mais ricos tivessem lugar para 204, 5 milhões, que é hoje, por exemplo, a população do Brasil.
Ora, segundo o Padre Antônio Vieira, a ambição do ladrão acaba vencendo a honestidade no rei, e daí o larápio triunfante no coração real o conduz ao inferno, ao sofrimento e à desgraça. Dentro das pessoas, o desejo do ladrão geralmente prevalece à sua honradez. Acrescenta Vieira, pensando como Sêneca: “Põe o ladrão e o pirata no mesmo lugar do rei que tiver as características do ladrão e do pirata. Se o rei da Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar e merecem o mesmo nome”.
Conforme Vieira, não adianta pôr culpa no outro, em cada um de nós estão presentes o demônio e a bem-aventurança, basta ter coragem de vencer o ladrão dentro de nós, a fim de não incorporar o Dr. Fausto. 

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