No segundo ano
da colonização do Brasil, em 1655, o Padre Antônio Vieira (que infelizmente não
foi meu parente) pregou o Sermão do
Bom Ladrão, na presença do rei de Portugal. O Padre Antônio Vieira,
como é do conhecimento público, representa uma das mais significativas figuras
do século XVII, na história e na cultura luso-brasileira. Talvez seja
culturalmente, com relação ao Brasil, a mais completa personagem da colonização
portuguesa. Desempenhou-se como orador, conselheiro político da Restauração
portuguesa, diplomata, missionário, defensor dos índios, jesuíta e teólogo,
catequizador no Pará e no Maranhão. Não faltaram em sua biografia alguns anos
de prisão, acusado pela Santa Inquisição Católica de prática de heresia, ao
acreditar no Sebastianismo, nas profecias de Bandarra e em defender os judeus,
mas morreu no Brasil.
O Padre
Antônio Vieira afirma no Sermão do Bom
Ladrão: “Nem os reis podem ir ao
paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem
levar consigo os reis. ...O que vemos praticar em todos os reinos do mundo é,
em vez de os reis levarem consigo os ladrões ao paraíso, os ladrões são os que
levam consigo os reis ao inferno”.
Ninguém nasce
ladrão e ninguém nasce rei. Os homens é que constroem um e outro. Existem no
homem o rei e o ladrão. Um carrega o outro, tanto ao paraíso quanto ao inferno e
diz Vieira: “...O que vemos praticar em todos os reinos do mundo ...os ladrões
são os que levam consigo os reis ao inferno”. E por quê? Nem todos os homens
controlam sua ambição!
Se a maioria dos
homens não fiscaliza e não cerceia a própria ambição, não fiscaliza e não
cerceia o forte desejo de poder ou de riquezas, de honras ou de glórias,
torna-se escravo da cupidez. Contrai então doença incurável: converte-se em
invejoso, em desgostoso devido à prosperidade alheia, vivendo a vida do outro,
espionando as compras, as vendas, os sucessos, as perdas, as tragédias de
outrem. Abandona a existência para viver a existência alheia: se ganha certo
conforto, isto não lhe basta, é preciso ter mais, o conforto do outro. O
invejoso mortifica-se com o desejo irrefreável de possuir as coisas de outrem,
de construir casa mais rica que a do vizinho, de comprar carro maior e mais
caro que o do vizinho, de vestir-se com mais sofisticação que a mulher do
vizinho... De fato, os invejosos não têm paz.
A inveja
figura a mãe da ambição, da cobiça e de certa maneira de ver o sucesso. Muitas
escolas e universidades nos dias de hoje prometem aos alunos o sucesso e não o
conhecimento, como se a função de CEO das empresas ou a lista dos mais ricos
tivessem lugar para 204, 5 milhões, que é hoje, por exemplo, a população do
Brasil.
Ora, segundo o
Padre Antônio Vieira, a ambição do ladrão acaba vencendo a honestidade no rei,
e daí o larápio triunfante no coração real o conduz ao inferno, ao sofrimento e
à desgraça. Dentro das pessoas, o desejo do ladrão geralmente prevalece à sua
honradez. Acrescenta Vieira, pensando como Sêneca: “Põe o ladrão e o pirata no
mesmo lugar do rei que tiver as características do ladrão e do pirata. Se o rei
da Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão,
o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar e merecem o mesmo nome”.
Conforme
Vieira, não adianta pôr culpa no outro, em cada um de nós estão presentes o
demônio e a bem-aventurança, basta ter coragem de vencer o ladrão dentro de nós,
a fim de não incorporar o Dr. Fausto.
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