segunda-feira, 2 de março de 2015

Roteiro para estudar Política Educacional do Brasil

A elaboração de um roteiro, ou melhor de um itinerário, para o estudo da política educacional do Brasil, forçosamente concentra determinada matéria eleita pelo seu autor. 
No presente caso, a temática selecionada jamais põe fora outros tantos elementos, tão imprescindíveis, ou mais, do que os aqui esboçados. Este roteiro se sujeita, portanto, ao destino de ser roteiro, isto é, de ter serventia para indicar situações e direções, a respeito da política educacional. 

1. Tenho asseverado em várias ocasiões que a política social manifesta estratégias governamentais, com a finalidade de interferir na correlação de forças sociais. A política social acompanha as determinações do chamado processo de desenvolvimento econômico. Neste mesmo sentido, certa vez expus essas ideias da seguinte forma: - apolítica econômica e a política social compõem uma totalidade: o econômico é social e vice-versa, ambas as políticas representam estratégias manipuladas pelos governos brasileiros, com perdão de declarar o óbvio.  Tais políticas se nutem dos interesses e dos valores da classe dirigente, que exercita o poder político. 

2. Eis, pois, um campo sem neutralidade. colocadas no papel através dos procedimentos da planificação e posterior avaliação, as estratégias governamentais são às vezes destorcidas, e de tal maneira que nem sempre a estratégia exposta significa a estratégia traçada pelos dirigentes. Há aí certo despotismo do saber legalizado, exercido pelo tecnoburocratismo. E as forças da sociedade, em especial aquelas alijadas de qualquer influência no poder político, ficam submetidas em geral a deliberações que lhes são hostis ou ao menos indiferentes, suportam e reagem contra uma e outra estratégia. Os protestos normalmente tocam as pretensões da classe dirigente e também da tecnoburocracia, convertendo-se ou não em conquistas sociais, segundo as condições do processo histórico. 

3. De modo geral, a política social, enquanto estratégia governamental, corporifica um conjunto de diretrizes, de propostas, de metas a serem alcançadas por certo governo, em algum momento. Abstratamente, e por meio de parcelamento da realidade, a política social tem servido para designar diretrizes, propostas, metas, referentes à Educação, à Saúde, à Previdência Social, às Condições de Trabalho e de Lazer, à Habitação e à Assistência Social. 
Passar por exame a política social de determinado governo, requer examinar esta globalidade, raramente homogênea, em algumas oportunidades até com incoerências flagrantes e com propósitos e objetivos irrealizáveis. Analisar a política social do Brasil tem o sentido muitas vezes de responsabilizar-se pelo estudo de algo cansativamente repetido, com mostras de vulgaridade, ainda quando se tem presente a veemência das determinações históricas. Vejam-se as coleções de planos, de mensagens e de deliberações governamentais, que são representativas para avaliar a política social. Aliás essas coleções constituem expressivas fontes ao estudo neste âmbito, de indiscutível valor histórico. 

4. A política educacional, como parte integrante da política social, passou e passa pelas contingências desta, mas traz peculiaridades evidentes. A política social somente se delineou no Brasil a partir do princípio do século XX, ao acorrer intensa urbanização em diversas cidades; vigorosa industrialização sobretudo no Rio de Janeiro (capital da República) e em São Paulo; organizado (embora restrito) movimento operário sustentado por imigrantes; e notórias conturbações econômicas provocadas pela crise na produção cafeicultora. 
Este momento histórico assistiu ao aparecimento das primeiras medidas protecionistas, por sinal muito tímidas, de uns poucos setores do operariado, cujo exemplo mais famoso delas foi a Lei Elói Chaves (1923), criando Caixas de Aposentadoria e Pensões. Apenas depois de 1930, se registrou intervenção estatal mais sistemática nas relações de trabalho, e ainda nas áreas de educação, de saúde pública, de previdência social e de habitação. As raízes históricas de tal intervenção estatal se achavam nas características próprias da formação da sociedade capitalista no Brasil. 

5. A política educacional do Brasil geralmente participou da esfera governamental, aparecendo como quase ininterrupta preocupação do Estado brasileiro, desde a Independência. Se outras áreas da política social não suscitaram empenho, a Educação suscitou até na Constituinte de 1823, a primeira havida no Brasil. Após 1930, o intervencionismo do governo fez-se por inteiro e obsessivamente, gerando a falsa impressão de que a Educação fora alçada ao universo dos ideais maiores do país. 
A sociedade escravista do Império manteve cuidadosa vigilância com relação aos diversos setores da política social, cujas necessidades irromperam nas ruas da Primeira República, em inícios do século XX. Nos anos posteriores a 1930, estas necessidades, agora ampliadas, vieram a ser fecundo material à mobilização e à desmobilização popular, no jogo de poder decorrente da crise de hegemonia que se instalou. 
A situação da Educação é distinta, ao menos no sentido de que já na Independência a opção se realizara, bastando apenas as alterações de época. Optou-se pela educação de elite e, em torno dela, as políticas educacionais revelaram os anseios da classe dirigente, os quais não variaram excessivamente em termos educacionais. Esta educação de elite tem mergulhado, no curso do tempo, nas exigências da sociedade. Atravessou os reclamos da maioria da população brasileira e emergiu de novo com aparência renovada, praticando de novo a discriminação na educação. 

6. A política educacional do Brasil ocupou-se principalmente de reformas, depreciando a avaliação de outros temas. Como já observei, as reformas educacionais não reformaram, mas desmobilizaram eventuais movimentos neste campo. As propostas de melhorias de condições de ensino e de trabalho normalmente acabaram por tornar inseguros os educadores. As reformas deixavam entrever um novo mundo na educação, onde problemas elementares e seculares, como o analfabetismo, serão solucionados a curto prazo. A realidade, passado um pouco de tempo, faz ver que pequenas melhoras, se aconteceram, estavam acompanhadas de desmedidas alterações formais, recheadas quase sempre de modismos, experimentalismo e esquematizações. Note-se, por exemplo, algumas das principais reformas educacionais, implantadas depois de 1870: reforma "Leôncio de Carvalho" (1879), reforma "Benjamim Constant" (1890), código "Epitácio Pessoa" (1901), reforma "Rivadávia" (1911), reforma "Carlos Maximiliano" (1915), reforma "Luiz Alves/Rocha Vaz" (1925), reforma "Francisco Campos" (1931), reforma "Capanema" (1942), "Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional" (substitutivo Carlos Lacerda - 1961), reforma universitária (Lei n. 5.540/68 - sob a ditadura militar) e Decreto-Lei n. 464/69 - sob a ditadura militar), reforma do ensino de 1o. e 2o. graus (Lei n. 5.692/71 - sob a ditadura militar), Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.  9.393/96 - sob governo de Fernando Henrique Cardoso).
Essa profusão de reformas indica que o problema não está nelas, mas no conservadorismo dos governos, partidários da educação de elite, que se gabam de empregar ideias e novas técnicas. Em nome da atualização e da satisfação das necessidades da população, reforma-se com a finalidade de conservar a situação existente no campo educacional. 

7. O analfabetismo, ou como se costuma dizer "a luta contra o analfabetismo" ou "a erradicação do analfabetismo", ilustra bem esse quadro da educação de elite. No Primeiro Império Brasileiro, as elites escolheram o estudo particular, com preceptor em suas casas, pois a educação da maioria das pessoas não surgia como necessidade fundamental. No Segundo Império, ensinar a ler e a escrever ganhou alguma importância, apesar dos efeitos do Ato Adicional de 1834, eximindo o governo imperial de qualquer obrigação a respeito do ensino primário, e transferindo-a às províncias. Com a República, cabe lembrar que em 1920 o atendimento escolar ficava bem próximo do praticado em 1909.
Em pesquisa recente, verificou-se que todos os governos brasileiros, estabelecidos no período compreendido entre 1951 e 1985, propuseram a "erradicação da chaga do analfabetismo", lançando campanhas de alfabetização e afirmando que isto representava a vontade política nacional...

Bibliografia

VIEIRA, Evaldo. Estado e miséria social no Brasil. 4a. ed. S. Paulo: Cortez, 1987.

VIEIRA, Evaldo. A República Brasileira: 1964-1984. 4a. ed. S. Paulo: Moderna, 1987.

PAIVA, Vanilda P. Educação Popular e Educação de Adultos. S. Paulo: Loyola, 1973.

RIBEIRO, Maria Luisa S.  História da Educação Brasileira. 7a. ed.  S. Paulo: Cortez, 1987. 

Evaldo Vieira - 1988 - atualizado.

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