sexta-feira, 25 de abril de 2014

31/03/64: o dia em que tudo mudou

Caminhei até o ponto de ônibus, poucas pessoas na rua. Existia um clima de golpe militar tanto nas televisões, nas rádios e nos principais jornais (capitaneados pelo “O Estado de S. Paulo” e o “O Globo”), assim como nas famílias católicas ou tradicionais. Nas televisões, políticos como Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, e alguns jornalistas, clamavam pela intervenção militar com a finalidade de evitar “um Brasil comunista”. Como disse, não vi revoltados nem comunista, nem sindicalista, nem ateu, nem trabalhador, só de vez em quando um camburão da polícia, um punhado de soldados da Força Pública (antiga Polícia Militar) e a Polícia do Exército cercando a sede do 2º. Exército, na Rua Conselheiro Crispiniano, em São Paulo.
Ao chegar à Faculdade de Direito, encontrei-a fechada, com aviso de suspensão das aulas. Conversei com colegas defronte da Faculdade, uns pasmos, outros satisfeitos, outros preocupados com os acontecimentos. De fato, o que ocorria para quem tinha esperança de construir sua vida dentro dos padrões até então imaginados, era sinistro, desastroso e ameaçador. Tudo, em nome do “combate aos comunistas”, bastante pulverizados em 1964, na realidade ocultando uma verdade que era fazer uma “ocupação branca” do país, em nome dos norte-americanos, no contexto da guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética. Abusando da ignorância e da crença da população brasileira, e orientados pelo Departamento de Estado e pela Agência de Informação (CIA), ambos dos Estados Unidos da América, os ditos “defensores da democracia” (senadores, deputados, governadores e civis arrivistas) invadiram o gabinete da presidência da República em Brasília, no momento em que o presidente João Goulart ainda se encontrava em território nacional. Buscou-se um jurista da ditadura Vargas, Francisco Campos, de formação fascista, auxiliado por mais outro, Carlos Medeiros, a fim de instruir a sessão do Congresso Nacional para declarar vacância da presidência da República e redigir o denominado Ato Institucional N. 1, dentro das regras ditadas pelo general Castelo Branco e por Milton Campos. Desde o Estado Novo e a “Constituição Outorgada” de 1937, Francisco Campos se aprimorara em elaborar instrumentos de exceção, suprimindo direitos civis e políticos, que ele considerava desnecessários.
Logo depois, viajei para Taubaté, onde em meio a alegrias, tristezas e temores falava-se “oh, os militares tomaram o poder para acabar com a bagunça”, com a qual não me deparei naquele momento, apenas depois, tanto no aparelho estatal com a indisciplina militar, como nas ruas reprimidas à vontade, em defesa da lei e da democracia.  Imaginei que o desemprego poderia talvez diminuir, tamanha a quantidade de agentes e informantes contratados para vigiar seus compatriotas. Começava assim a ser construída “a democracia” de 31 de março de 1964. Naquele mesmo dia em Taubaté, fui até o prédio da antiga Escola Normal, na qual discursava o deputado federal do Partido Democrata Cristão, Plínio de Arruda Sampaio. Suas palavras exalavam esperança, acreditava ele que o assim chamado “dispositivo militar” do presidente Goulart, mais a indignação popular pelo desrespeito à Constituição Federal de 1946, resistiriam a desordem civil e militar. Qual o quê!
Resolvi que, após aquele dia, eu abandonaria, como fiz, meu projeto pessoal de atuar na diplomacia, bem como em qualquer profissão capaz de representar qualquer poder direto do Estado. Acho que me dei bem, não colaborei e não colaboro com nenhuma manifestação de cunho discricionário, nada de tirania. Minha convicção não foi em vão, nem meu 31 de março deixou de ensinar-me o preço de ditadura.

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